O Ódio Que tudo Arrasta

Começa com nossos inimigos, até chegar me nossos amigos e, no fim das contas, não sobrará mais ninguém.

Cleverton Linhares
6 min readJul 8, 2020

Era para ser um simples tweet, mas a ideia disso aqui aparentemente demonstrou ter potencial de algo maior.

De qualquer forma, ontem à noite debatiamos meu irmão e eu, a respeito da coluna escrita pelo jornalista Helio Schwartzman ao jornal Folha De São Paulo a respeito da suposta contaminação do presidente pela COVID-19. O que, desde já, eu adianto que a probabilidade dessa informação ser falsa é enorme.

A ideia de Helio, por mais cruel que possa parecer, é de que, morto, o presidente prestaria um serviço que ele não conseguiu prestar em vida. Eu, pessoalmente, acho que ele sequer tentou prestar tal serviço, haja vista as declarações criminosas prestadas enquanto milhares de brasileiros morriam por dia vítimas do novo coronavírus.

A reação dele ao encontrar esse texto, e eu acredito que deveveria ser a reação de qualquer pessoa em circunstâncias normais dentro de uma sociedade civilizada, é de choque. Afinal de contas, como que, moralmente falando, é cabível que alguém possa querer a morte de outro ser humano?

Neste ponto eu trago uma frase que tirei da minha cabeça e coloquei no status do Whatsapp imaginando na minha iluminação egocêntrica, que tal afirmação pode explicar esse tipo de comportamento: às vezes, nós abrimos mão da moralidade para ter paz de espírito.

Reforço aqui a ideia de que o desejo que o próximo morra é algo que, em condições normais em uma sociedade civil, é abjeto, imoral, absurdo. É a desvalorzação da vida em seu estado mais cristalino, e por vezes o debate político se viu banhado nesse chorume de maldade e mau caratismo.

E é aí que entra meu ponto nessa conversa que eu tive com meu irmão e o fez ficar pensativo por um tempo. Talvez muitas pessoas, de fato, não deseje a morte do presidente, mas não conseguem encontrar outra alternativa viável para esse fim de caos e desgraça que desabou sobre a pátria brasileira desde sua posse. Afinal, são desmandos atrás de desmandos motivados muitas vezes por uma birra mesquinha autoafirmativa de querer mostrar quem é que manda no parquinho, alimentada por ideias exdrúxulas de teoria da conspiração que só fazem sentido no universo de uma mente perturbada, sem encotnrar respaldo em nenhuma área do conheciento humano.

E tem mais: parece que, quando mais precisamos que as instituições funcionem para barrar o lunatismo de um sujeito inapto ao cargo que a todo momento testa os limites da democracia e da ética até que elas arrebentem, mais elas se acovardam atrás de discursos e retóricas, em uma tentativa frustrada de mostrar que vai tudo muito bem, como se cada absurdo dos vários acumuados ao longo de mais de um ano e meio de mandato fossem apenas casos isolados.

Isso cansa, esgota nossa mente, nos deixa cada vez mais tristes e revoltados. Nesse momento é que o ser humano se apega à esperança de que alguma força externa possa dar jeito nisso e nos livrar desse martírio que tem sido o fardo de ser brasileiro nesses dias tão sombrios. Quando quem tem o poder de fazer algo pelas vias legais parece disposto a não fazer nada, o fim da vida desse que tem maltratado a todos, inclusive seus próprios apoiadores, parece a única solução possível, quase uma esperança.

Por causa de todas essas circunstâncias que eu paro e penso: por mais errado que seja, como que eu posso julgar alguém por pensar assim? Afinal, resiliência e paciência têm seus limites. E o nosso parece ter acabado.

Ainda assim, é preciso dizer: esse tipo de linha de pensamento continua errado de qualquer forma, e no final das contas, desejar a morte do presidente, por mais que soe uma esperança e talvez uma vingança ao dolo pela morte de mais de 65 mil vidas, é se alinhar ao discurso que ele e seus apoiadores vêm alimentando desde sempre, e que recentemente saiu dos esgotos para ganhar espaço nas redes, nas ruas e no poder: o ódio.

Sim, os brasileiros estão frustrados. Todos estamos desesperançosos, sem perspectiva de dias melhores, tristes com a vida. Sabemos também que grande parte disso parte do fato de que o chefe de governo não faz nada para melhorar. Pelo contrário, se pudesse, fuzilaria todos aqueles que discordam de pensamento para governar apenas aos menos de trinta do eleitorado cego e subserviente que compartilha do mesmo ódio e ressentimento por aqueles, simplesmente, pensam diferente de si mesmos.

O que fazemos? Direcionamos toda essa frustração, tristeza e raiva diante dessa figura. E tudo isso junto se transforma em ódio, e o ódio traz a tona desejos que dentro da ética e da racionalidade parecem imorais e escusos. Entretanto, quando somos colocados em situações tão adversas como a que nossa sociedade enfrenta nesses dias, o ódio se traveste de jsutiça e veste uma máscara de esperança.

Bom, o presidente morreu! E aí? Ainda restaram aqueles que o apoiaram cegamente e que estão indignados e frustrados com essa situação e vão fazer o que for possível para voltar o poder, colocando alguém alinhado com seu discurso. E que tal se eles morresem trambém para evitar que eles tomem o poder de novo?

Calma que tem mais: e a galera que que é aliada desse eleitorado cego? E os jornalistas que ajudaram a colocar esse sujeito no poder? E os policiais que fazem parte de uma corporação fascista a serviço do estado e que estão em sua ampla maioria alinhados com esse discurso? E quem é contra esse discurso de desejo de morte desenfreado? Vai faltar baa, praga e cova para dar jeito em tanta gente.

Tem uma fala do jornalista Fagner Torres que pode ilustrar bem essa corrente, quando ele se referia à violência urbana no Rio De Janeiro.

Quando restar apenas o último carioca vivo, ele dará um tiro em si mesmo, poir não haverá alguém para matar.

Durante esses debates a respeito desse assunto, um termo ganhou muita força, que é o imperativo categórico. Esse termo foi criado pelo filósofo aelmão Emmanuel Kant e se refere ao fato de que o comportamento que se espera das outras pessoas deve vir, em primeiro lugar, de si mesmo.

Isso implica que a pessoa que fica indignada com o discurso de ódio pregando que esse ou aquele grupo deve morrer, se ela não quer que esse tipo de discurso parta dos outros, então isso tem que ser regra para a sua própria vida. Afinal, como uma pessoa não quer que exista quem deseje a morte do outro se essa pessoa, quando confrontada com esse comportamento, desjea a morte de quem se atreveu a propagar esse discurso de ódio?

Essa conduta de desejar o mal a outro ser humano, por mais desprezível que ele seja, vai contra, sobretudo, à doutrina cristã. Caso esse texto chegue a alguém que não é conhecedor da Bíblia — e antes que digam que esse texto é alguma forma de pregação, eu sequer tenho — no novo testamento, no livro de Mateus (Mt. 22, 34–40), Jesus deixa bem claro sobre “amar o próximo como a ti mesmo”.

Mas quem é o próximo? Para além daqueles que são por nós bem quistos, o próximo também é aquele tipo de sujeito que tomamos como o mais desprezível dos seres humanos. E isso inclui, também, o presidente que, por negligência ou dolo, condenou dezenas de milhares à morte. Algumas realmente eram inevitáveis? Talvez, mas isso é uma discussão mais profunda para outro momento.

O fato é que por mais difícil que seja, precisamos manter a racionalidade e a calma. É difícil, exige esforço e em tempos de isolamento, é quase como ir para a academia às seis da manhã de domingo no meio de uma ressaca. Ninguém disse aliás que ser civilizado é fácil, pelo contrário. quase todo mundo, uma vez na vida, já desejou sair por aí com um taco de baseball para colocar esse ou aquele sujeito na linha. Porém, é importante entender onde, em nosso ressentimento, termina a indignação e desejo de justiça, e começa o ódio.

Mesmo porque, ódio é um sentimento que se comporta como água, que atrás mais água e, por onde passa, arrasta tudo que vê pela frente até não sobrar mais nada. E nesse ritmo, não sobrará nenhum brasileiro de pé. Pois quando sobrar o último, ele dará um tiro em si mesmo, por já não haverá mais ninguém para matar.

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Cleverton Linhares

Engenheiro frustrado. Tenho vontade de falar de tudo para todo mundo, mas como ninguém me ouve, resolvi escrever qualquer coisa pra quem quiser ver.