Sobre o que é o antifascismo

Cleverton Linhares
6 min readJun 1, 2020
Torcida do Corinthians protestando em favor da democracia — foto: Roberto Casemiro

Em momentos assim, todos nós temos um certo dever, por vezes ingrato, de pegar na mão das pessoas e ter que explicar muitos conceitos que deveriam ser básicos, mas que se perderam no meio de disputas sem fundamento ou apropriações indevidas.

No fim da década passada, com a iminência da eleição do presidente Bozo (e não me venham pedir respeito para um sujeito que não respeita ninguém a não ser a si mesmo, sua família e subalternos que se sujeitam aos seus prazeres e desmandos), muito se falou sobre o fascismo. Na época, o termo parecia meio perdido a ponto de cair na mesma vala comum do termo comunismo, isto é, um rótulo para identificar aquele que não pensa como eu.

O tempo passou, as ameaças a direitos humanos fundamentais aumentaram drasticamente. O “bozonarismo”, essa seita maluca de marionetes de palhaço fanáticos autoritários descolados da realidade, se tornou cada vez mais violento, a ponto de agredir trabalhadores que fazem nada mais que seu trabalho de proteger a população e zelar pela saúde das pessoas.

Em meio a isso, agora vemos a marcha de gente indignada com todos esses abusos cometidos em pouco mais de um ano de governo Bozo, dando uma resposta contra os que pregam um estado repressor, isento de direitos mas repleto de privilégios para si, em sua maioria homens brancos, velhos, cis da classe média pra cima.

E é aqui que começa a parte dos esclarecimentos. Esses grupos antidemocráticos não querem sobre suas cabeças a pecha de fazerem parte de um movimento condenado pela história e, por isso, atacam aqueles que lutam em favor de uma sociedade igualitária e democrática. Para tanto, vou recorrer à definição formal da coisa e destrincharemos essa definição no intuito de, assim, explicar porque o antifascismo é importante nesse momento.

O que é isso, afinal?

Fascismo é uma ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia. Embora os partidos e movimentos fascistas apresentem divergências significativas entre si, é possível apontar várias características em comum, entre as quais nacionalismo extremo, desprezo pela democracia eleitoral e pela liberdade política e econômica, crença numa hierarquia social natural e no domínio das elites e o desejo de criar uma comunidade do povo em que os interesses individuais sejam subordinados aos interesses da nação.”

Quanto ao nacionalismo extremo, acho que isso está bem claro. O problema de colocar a pátria em um patamar muito alto é que isso cria um clima de desconfiança e violência contra o outro. É o terreno fértil para a proliferação da xenofobia. Desumanizamos o estrangeiro, seu povo, país e cultura de acordo com os interesses do líder. Vimos isso acontecer na Europa, durante a ascensão de políticos de extrema direita que repudiavam a comunidade muçulmana em seus territórios. Quando a crise dos refugiados estourou, ao invés de buscar uma solução humanitária, diversos líderes mundiais preferiram fechar as fronteiras pois, segundo eles próprios, o país deles vem primeiro, e isso implicaria no fato de que o povo que pertence ao país deles é mais importante que o outro que tá passando fome e precisando de ajuda.

No Brasil, isso tem sido usado de ferramenta para atacar minorias tanto absolutas quanto representativas, colocando nesses grupos uma imagem de que eles não representam o ideal do que é ser do Brasil e o que é ser brasileiro. O que, no fim das contas, é uma tremenda bobagem, posto que o Brasil como conhecemos hoje é formado por uma mistura de diversas culturas tanto dos povos nativos quanto dos africanos, asiáticos e europeus, mesmo que tenha sido na base da dor e do sofrimento alheios.

Normalmente essa “identidade brasileira” está associada a um ideal branco europeu. Basta olhar, através da história, quantas vezes gêneros musicais foram reprimidos pelo regime da época por se tratar de algo vulgar e degenerado. O preconceito que o funk sofre hoje não é exclusividade dele. O samba, em seu surgimento, também sofreu do mesmo preconceito.

Sobre o desprezo pela democracia eleitoral e liberdade política e econômica, vamos lembrar que o Bozo se elegeu com um discurso de “metralhar a petralhada”, mandar os “comunistas” para a ponta da praia, que era um local onde opositores da ditadura eram mandados para fuzilamento. O governo atual não tem apreço nenhum por oposição política. quem diverge de suas opiniões, pela cabeça do Bozo, merece ser morto e ter sua honra e reputação jogadas na lata do lixo. É nisso aliás que o vereador Carlos Bozo tem se dedicado, junto com a militância dos palhaços. E esse mesmo desprezo vemos na economia, já que o ministro Paulo Guedes prefere privilegiar a ajuda à grandes empresas e bancos privados, quer vender todas as empresas públicas e reluta em ajudar a população mais miserável. A pandemia foi um retrato muito nítido disso: enquanto Guedes relutou para ajudar o povo brasileiro, e ainda assim sugeriu uma ajuda minguada de R$200,00 os bancos, que tiveram lucros absurdos por anos seguidos, receberam um aporte milionário do governo.

Vai por mim, assistencialismo não é coisa de comunista, seja lá o que comunista signifique hoje em dia. Assistencialismo é ajuda humanitária e faz bem para a economia de um país. Uma pena que certas mentalidades agarradas ao autoritarismo não compreendem isso, como o próprio Paulo Guedes, que inspira seus planos econômicos no fracassado exemplo da ditadura chilena.

Sobre a “crença numa hierarquia social natural, domínio das elites e o desejo de criar uma comunidade do povo em que os interesses individuais sejam subordinados aos interesses da nação”, acho que a célebre frase “as minorias terão de se curvar às maiorias” dita pelo próprio Bozo já diz muita coisa. Mas quem são as minorias? os negros? Se fizermos recorte racial, os negros são 54% nesse país. Por esse conceito, os brancos deveriam calar a boca e ouvir o que a população negra tem a dizer. Seriam as mulheres? Elas atualmente são 51,7% da população brasileira.

De qualquer forma, esse discurso está eticamente errado. Existe toda uma comunidade que não se encaixa no padrão normativo de gênero, e nem por isso eles são menos humanos do que o resto da sociedade. Acima de tudo somos humanos, e como humanos todos merecem o mesmo tratamento. E não é isso que se passa na cabeça dessa gente que está no poder hoje. Quando alguém lá fala que tudo isso é vitimismo, eles estão dizendo que essa parte da população tem que se dar por feliz com o preconceito, a falta de assistência, a violência e morte a qual estão submetidos diariamente.

Eu poderia citar outras diversas semelhanças do governo brasileiro com o fascismo. O problema é que seria muita coisa, e eu espero que tudo tenha ficado claro até aqui. E se você entendeu o problema do fascismo, espero que entenda que essa onda antifascista é uma resposta a todos esses abusos de autoridade cometidos pelo regime bozonarista contra o próprio povo brasileiro, ou pelo menos grande parte do povo brasileiro.

Ser antifascista é, sobretudo, lutar em favor da igualdade e dos direitos conquistados a duras penas. Ser antifascista é ser a favor do povo!

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Cleverton Linhares

Engenheiro frustrado. Tenho vontade de falar de tudo para todo mundo, mas como ninguém me ouve, resolvi escrever qualquer coisa pra quem quiser ver.